segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Ilusões do "American Dream": A qualidade da saúde.

Fui para os EUA com o propósito de aprimorar o Inglês e, em seguida, cursar um MBA. Mas a sucessão de decepções foi tamanha que eu acabei abortando o plano menos de um ano depois e resolvi registrar alguns desses desencantos.  
Pra descrever as desilusões relacionadas ao sistema de saúde, eu apenas vou narrar um episódio pelo qual passei.
Primeiro, a causa: eu estava em um programa de atividade física intensa, me preparando para duas corridas de rua e duas meias maratonas no Brasil. Por isso, havia passado vários dias me alimentando à base de 90% de proteínas. Isso não teria qualquer consequência se eu não tivesse me entusiasmado e passado da conta numa certa corrida, após uma noite mal dormida - um pequeno descuido que se tornou uma extravagância.
Nesse dia, à noite, eu senti enjoo e náuseas e, em seguida, tonturas e sensação de taquicardia. Vale registrar que, por causa de várias ocorrências de infarto na minha família, eu morro de medo de sintomas que possam ensejar qualquer semelhança com problemas cardiovasculares. Por isso, me tornei extremamente cauteloso e me cuido muito, fazendo um rigoroso controle com exames regulares e sistemáticos há mais de vinte anos. Mas, naquele dia, diante dos sintomas, tratei logo de chamar a ambulância.
De início, já tive a primeira impressão negativa: demoraram mais de uma hora pra chegar. Se eu, de fato, tivesse sofrido um infarto severo, não teriam chegado a tempo.
Junto com a ambulância vem uma viatura policial com três agentes. Embora isso seja rotina por lá, eu não vejo a menor necessidade, a não ser aumentar o custo do atendimento. Sem contar o comportamento truculento desses agentes, desrespeitando, inclusive, o estado de saúde do doente, que me causou ainda mais desconforto e constrangimento. 
Assim que o paramédico me fez os primeiros atendimentos, eu aleguei que estava bem e que podia andar até a ambulância. Ele disse que tudo bem, e começamos a caminhar rumo à porta, com ele  me segurando pelo braço pra me apoiar. De repente entrou uma policial aos berros, uma negra enorme, me apontando na cara e me obrigando a deitar na maca. Eu tentei explicar que não era necessário, mas ela se exaltou tanto que eu tive medo de apanhar ou ser preso e deitei, calado.
O atendimento no hospital ainda me reservava mais surpresas negativas e preocupantes. Primeiro, fui atendido por um auxiliar de enfermagem que fez algumas perguntas de rotina e anotou algumas coisas. Depois veio um enfermeiro que me fez uma série de exames, dando pouca importância para o que eu, de fato, tinha sentido. Eu acompanhei atentamente os exames, olhando os monitores dos aparelhos e perguntei o que significava cada informação indicada. Ao saber que meu nível de glicose tinha indicado 62 mg, eu imediatamente comentei com ele que estava claro qual teria sido o meu problema: HIPOGLICEMIA! E, nesse mesmo momento, eu já deduzi a causa, ou seja, a rotina alimentar das ultimas semanas, associada ao esforço da corrida longa.
Logo em seguida entrou o médico e, assim como eu fiz com os dois profissionais que o antecederam, tratei de alertar para o fator genético que me coloca no grupo de risco de doenças cardiovasculares, devido às alta incidência na família. Estranhamente ele não deu importância e não deu papo. Tive a nítida impressão de que os funcionários do hospital não se falam entre si e, também, que não se importam com o que o paciente tem a dizer, tampouco se interessam em avaliar os reais sintomas que o doente sentiu.
A minha maior surpresa veio em seguida, quando o médico simplesmente preencheu um extenso formulário, com uma série de pedidos de novos exames e novas consultas, já indicando a clínica e o laboratório que eu devia procurar, para tratamento de (pasmem!...) ESTÔMAGO! Ora, eu não tinha nenhum sintoma que indicasse doenças gástricas. Se ele seduziu isso pelo simples fato de eu ter sentido náuseas, foi uma ingerência precipitada, se não estúpida. E, ainda, me encaminhar para um intenso e caríssimo tratamento equivocado, dessa maneira, pra mim foi uma baita irresponsabilidade técnica e profissional. 
Sem acreditar no diagnóstico dele, eu ainda perguntei para um amigo, funcionário do hospital que, nesse momento me acompanhava na sala de exames:
- Ele está dizendo isso mesmo? Que eu tenho problemas de estômago?
Decepcionado e, ao mesmo tempo assutado com o risco a que eu me expus, caso eu, de fato, tivesse sofrido um infarto, fui pra casa. E, conferindo a literatura médica pela internet, pude constatar que quando o nível de glicose cai abaixo de 65, a pessoa terá tonturas e náuseas. Se cair abaixo de 60 mg, poderá desfalecer, ter taquicardia e até desmaiar. Nada que uma taça de sorvete ou um copo de água com açúcar não resolvesse.
Todavia, se eu tivesse sofrido um infarto grave, igualmente teria sido encaminhado pra casa, levando o pacote de pedido de exames de estômago e poderia ter vindo a óbito, sem que médico, sequer, tomasse conhecimento do meu real problema. 
Por outro lado, caso eu fosse um paciente ingênuo, desses que seguem religiosamente as "ordens" médicas, teria embarcado numa dívida monstruosa em exames e novas consultas com especialistas em uma doença que eu jamais tive.
Nota: Naquele atendimento foi realizado um eletrocardiograma. Porém, este exame é inconclusivo e pode indicar normalidade, mesmo após um infarto severo. Em pacientes com fatores de risco, requer-se um "diagnóstico enzimático", que sequer foi cogitado.

* Marcio Almeida é Engenheiro Mecânico e Engenheiro Industrial, Administrador de Empresas, Mestre em Gestão Governamental e Ciência Política, Especialista em Direito Administrativo Disciplinar, pesquisador autodidata em Sociologia, História Política e Social e Nutrologia, Meio-Maratonista, ex Diretor de Auditoria Legislativa e ex Presidente de Processos Disciplinares na Administração Federal Brasileira, M∴M



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